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DAS JORNADAS DE JUNHO de 2013 AOS ATENTADOS DE JANEIRO DE 2023: liberdade e autoritarismo na história recente da democracia no Brasil

F. Assis Brasil

Assis Brasil professor de Políticas Públicas na UFSJ e doutor em Ciências Jurídicas e Econômicas na UFRJ



Após a primavera árabe, o movimento da franquia Occupy, ganhou o mundo irradiando uma aura similar à de Maio de 68, em pleno governo da primeira presidente mulher e ex-guerrilheira no Brasil. As Jornadas de Junho de 2013, insufladas pela descrença na democracia representativa, que corou como exemplo de militância, o movimento Passe-Livre, que já tinha alguma trajetória de lutas sociais em diversas capitais, iluminou diversos setores da sociedade civil desorganizada a saíram nas ruas para com os seus cartazes e posts de facebook com pautas políticas e identitárias bem particulares, apesar de o combate a corrupção ter sido a tónica que amalgamava todos os discursos.

Essa interação face-to-facebook mostrou que o culturalismo das minorias sociais na era do digital poderia relativizar o caráter antissocial pós-moderno, que só permitia o consenso efetivo entre as partes de um sentimento geral de insatisfação coletiva generalizada com a classe política. A autonomização randômica das bandeiras humanistas e esquerdistas, na verdade, tenderia a enfraquecer a liga da mobilização por direitos humanos, que não depende tanto de grande multidões dispersas, mas de grupos menores de pessoas, ideologicamente, afins e bem engajadas por um intelectual e líder orgânico, que deveria saber que canibalizar as pautas de outras minorias, seria enfraquecer a pauta social e democrática no Brasil como um todo.

No lado oposto, a partir do legado político desidratado da carnavalização mascarada e festiva das manifestações das jornadas de junho, a nova (velha)direita conseguiu criar coesão estratégica para dar uma sobrevida maior para a estética e poética dos cartazes, por meio de movimentos sociais virtuais e vitais, como o Brasil Livre e Agora. Mas não somente ela, já que uma velha direita fascista, colocou também o bloco na rua com as suas ideias conservadoras antidemocráticas e antipolíticas, que estavam guardadas no baú das memórias familiares jovemguardistas, já que o fracasso moral e econômico do governo do PT, era utilizada como desculpa para defender uma nostalgia dos militares.

Com a não consolidação de uma chapa pura da nova direita, por meio de nomes para presidenciáveis, como o do apresentador Luciano Huck e o ex-juiz Sérgio Moro, ela acabou se tornando o grupo de jovens da igreja  bolsonarista, tendo sido cooptados para dar um frescor de novidade a sua imagem de inútil velho capitão ranzinza da Câmara dos Deputados, que dedicou o seu voto, no impeachment da Dilma, ao comandante Ulstra, torturador daquela. Entre todas as controvérsias das decisões do governo Dilma, para além do seu endurecimento preventivo dos discursos contra os refluxos políticos de 2013, durante a Copa das Confederações, apesar de ter feito sala para o movimento Passe-Livre, para não dizer que não falou dos ônibus no Palácio do Planalto, a mais incoerente delas foi não ter dobrado a aposta, realizando a Revisão e o Memorial da Anistia.

Por exemplo, o edital de seleção de mobilização do Memorial da Anistia, realizado em parceria interministerial, que seria sediado na cidade natal de Dilma, Belo Horizonte, foi descontinuado em 2015, após todos os aprovados na fase escrita terem custeados suas passagens e hotéis para a fase oral em Brasília, mesmo a vaga tendo tido financiamento garantido por cooperações internacionais com o Ministério das Rel. Exteriores e da Justiça. Misteriosamente. O governo alegou melhor interesse público, que talvez signifique falta de vontade política. O interesse público existia porque não teria ocorrido 08 de janeiro se as instituições de memória estivessm divulgando para a sociedade os carmas de viver apartado da democracia.

É claro que o governo Dilma foi o que mais se dedicou ao tema dos abusos de loder e excessos de status dos militares. A Comissão Nacional da Verdade, Decreto 8515, destituindo a competência dosl comandantes das forças armadas de fazê-lo, e o rebaixamento institucional do Gabinete de Segurança Institucional , perdendo status de ministério, foram algumas de suas ousadias. O enfraquecimento da governabilidade da presidenta na imprensa seria mais alardeado por causas das crises políticas com o MDB e as crises econômicas e manobras fiscais. Internamente, a briga pequena com a caserna pode ter corroído e catalisado o chamado golpe legislativo de Eduardo Cunha. Mas o fato é que, ao cutucar os militares com verba curta, não focando na questão principal que era a revisão e memória da Anistia, Dilma acabou colaborando para eles acordassem de suas quaretenas políticas e voltassem, bem armados com Bolsonaro para a política em 2018, iniciando um período de democracia marcado por sucessivas tentativas de autogolpe.

Ao não conseguir punir, de fato, os torturadores, como ocorreu na Argentina e Chile, Dilma, que estava com a faca Guinso 2000 e o queijo Minas na mão, enquanto estadista e ex-vítima do terrorismo do estado, aderiu ao brasilianismo do silenciamento da memória política  traumática, dando um sinal verde para que a formação de recrutas militares, seguisse enfatizando 64 como um movimento heroico de “revolução militar” e o nostalgismo da ditadura, naturalizasse o seu discurso autoritário no arcabouço do pluralismo de ideias da democracia, que, por isso deveria o engolir - , talvez, como a própria ditadura deixara a semente do voto livre plantada através da aglutinação de todos os partidos em torno do MDB no legislativo.

Apesar de estranha ao processo de liberdade política, a velha direita aceitou o desafio de postular uma vaga pela porta da frente, tendo o ex-deputado federal Bolsonaro como âncora, esse solitário "idiota coletivo" que sempre votou contra os projetos de iniciativa do governo de Lula e Dilma de forma automática, tendo sido sempre mais irredutível do que alguns petistas, quando na oposição. Bolsonaro seguiu por anos a fio de tocaia no congresso para dar uma pregnância do viés político do militarismo, um porta-voz pouco confiável das forças armadas, que seguiam no observatório, à espreita da esquerda, para salvar o Brasil, novamente, dessa vez, não através da falsa “revolução”, mas, sim, do voto de protesto (antidemocrático). Como sabemos, no cargo de presidente, Bolsonaro, enquanto subproduto desses militares reformados e aposentados, não iria resistir a tentação de tentar ganhar pela força, por isso, a necessidade de vilanizar as vacinas anticovid e as urnas eletrônicas.

Blindado por Araas, Bolsonaro flertou, durante todo o seu governo, com a ideia de golpe iminente dele contra o seu próprio governo, incentivando todo o tipo de discurso de ódio contra as instituições democráticas, sem o mesmo ideal construtivo das maiorias das pautas de junho, reforçando o clássico ideário da velha direita, defensora desde dos anos 60 das ideias de família, pátria, propriedade e religião. Durante todo o seu governo, muitas investigações seriam feitas para coibir as fake-news e negacionismos produzidos por humanos e robôs, mas cuja má exemplaridade do presidente, que era o principal disseminador de mentiras do país, tornava vão todo esforço de seguir de forma efetiva o marco legal-civilizatório, no tocante, à defesa da democracia e do direito, do alvo de hackers e haters.

A investigação dos casos de corrupção de Flávio Bolsonaro (operação Furna da Onça), sendo antecipada para Bolsonaro, começaram a prosperar na polícia federal, exigindo uma complexa engenharia de bloqueio da normalidade investigativa do órgão, o que custaria em abril de 2020 a vaga de Moro no STF, por não obediência ao comando do presidente para trocar a diretoria da PF no Rio, baratinando as investigações que apontavam para sérias suspeitas de irregularidades em outros mandatos de Flávio pelo Estado do Rio de Janeiro. Antes disso, em 2019, Flávio já havia dado indícios de que tinha culpa no cartório, pois atuara como moderador diplomático para forçar os senadores retirarem as suas assinaturas para instauração da CPI da Lavatoga, que visava “investigar condutas impróprias, desvios operacionais e violações éticas por parte de membros do Supremo Tribunal Federal e de tribunais superiores do país”, gesto, no qual foi seguido pelo PT, o que demonstra que os opostos, se atraem”. 

Ao cair no lobby do STF que ameaçava tirar das gavetas processos morosos contra parlamentares, o congresso foi conivente com o apetite político do judiciário que, assim como os p o políticos, tem os seus privilégios e penduricalhos, e começou a consolidar um papel corrosivo na democracia, atuando de maneira déspota, para que as instituições democráticas sejam soberanas. Com os aumentos das arbitrariedades bolsonaristas para instaurar um Estado fascista ditatorial e salvar a sua estirpe da malha fina investigativa do Estado, o STF começaria a ter uma atuação moderadora, por vezes, inconveniente, na pessoa do  Min. Alexandre de Moraes, que chamou para si a tarefa de presidente do TSE, justamente, para tentar evitar irregularidades que pudessem macular a imagem da instituição, dando brecha para Bolsonaro não reconhecer os resultados das urnas eletrônicas, o que acabou acontecendo assim mesmo.

O 8 de janeiro deu uma resposta simbólica a esse seu anseio prenunciado, de que se o resultado eleitoral fosse desfavorável ao "mito", o fato não deveria ser legitimado. No entanto, foram os bolsonaristas, enquanto extensão do seu fenótipo ideológico, que colocaram na prática um projeto utópico de continuísmo do ex-presidente no poder. Brincando de soldadinho, eles tentaram sensibilizar os militares, o que nem Bolsonaro conseguira ainda quando presidente, para comandarem um levante estratégico contra o país, o que acabou não se concretizando, apesar de os 5000 mil manifestantes em Brasília terem estado lá para demonstrar a sua indignação contra o governo Lula, ou para dar legitimidade popular ao golpe, que se insinuava de forma criminosa, mas não muito organizada. As instituições democráticas de direito, foram, de fato, invadidas e depredadas, mas sem serem abolidas.

Os meios da realização do real e factível suposto plano de golpe dependiam de uma coesão política das forças armadas em torno do prolongamento ilegal do governo Bolsanaro. Mas elas posicionaram-se da seguinte forma: omisso (Aeronáutica), contrário (Exército) e favorável (Marinha), segundo a delação premiada de Mauro Cid. A maioria dos manipulados pelos bolsonaristas, sendo empurrados para um precipício no Planalto Central, não participaram do verdadeiro conluio, o suposto plano elaborado por Bolsonaro para protelar o seu poder por mais tempo, que não prosperou. É claro que esses teriam sido úteis se tivesse havido consenso entre as altas patentes. Deve ser levado em conta, como atenuante desses infelizes, que o

desserviço pedagógico da narrativa pró-64 pelo Bolsonaro e o seu séquito de militares que ocuparam cargos públicos foi imensa.

Eliminando as fronteiras epistemológicas entre o conceito de democracia e de golpe, a discursividade dos militares no poder durante o governo Bolsonaro, serviram como elemento questionador da historiografia oficial sobre os crimes de Estado pós-64. A população iletrada que já não tinha muita consciência histórica, ficou ainda à mercê de uma leitura simplificadora dos acontecimentos políticos da história recente, visão essa, que, inclusive, apontou para uma perseguição contemporânea na sala de aula, por pais e coordenadores pedagógicos bolsonaristas, da visão marxista predominante e mais correta dos conflitos ideológicos e sociais no Brasil.

O julgamento com prisões hiperbolizadas dos bolsonaristas de 8 do 1 atenta contra o bom-senso, pois os colocam como inimigos máximos da nação, quando, na verdade, estão sendo usado para que se camufle a falta de coragem do Estado e do STF de julgar os crimes do Estado de Exceção no Brasil, cometidos pelas forças armadas, que seguem preservadas de constrangimentos maiores pelos 3 poderes. Nesse sentido, os bolsonaristas, na verdade, são, em partes, vítimas da capacidade do estado de prover justiça de transição e memória da verdade, por meio de uma educação histórica e política teórica e prática. As aulas de história didáticas com viés mais materialista histórico (marxista) sobre o golpe civil-militar-empresarial de 64, começaram a ser questionadas, possivelmente, desde 1990, quando surgiram escolas militares da rede básica, censurando conteúdos históricos políticos desabonadores das forças.

Além disso, não houve, por parte, do Estado, uma sinalização punitiva mais incisiva para rever a formação educacional militar nos quartéis que seguiram com liberdade total para produzir uma historiografia endógena sobre a censura, tortura e ditadura. Ademais, apesar de que crime político sem localização do corpo não pode ser anistiado, segue dormindo no ponto a proposta de revisão da Lei da Anistia para punir não os seus seguidores, mas os verdadeiros responsáveis pelos crimes contra a humanidade e barrar, de vez, a fonte das narrativas negacionistas dos militares “pro-revolução”. Essas que, sendo reproduzidos pela sociedade por meio de rodas orais e lançamento editoriais, por vezes, associadas a esses generais que deveriam estar presos, tentam com eufemismo ganhar batalhas discursivas microfísicas, confundindo os leitores com uma visão historiográfica tão antagónica em relação a mais consensual, que ambas acabaram parecendo pouco críveis.

Por não coibir a desinformação histórica no país, cujas provas estão documentadas para quem quiser ver, o Estado sucateou os temas sombrios da memória nacional, que devem ser lembrados, justamente, para não serem repetidos, o que acabou acontecendo, gerando esse estado atual de animosidade, vez que a população inconsciente da sua história, procura entender sobre os seus traumas coletivas de forma tautológica e messiânica. Além da invasão do Capitólio, após a derrota de Trump, a recorrência das imagens midiáticas de ocupações de ruas, prédios, terras e equipamentos públicos por movimentos sociais, desde 2013, certamente, deve ter inspirado os soldados do capitão no ato de janeiro, a acreditarem ou fingirem, que poderiam ser considerados heroicos performáticos, como os pichadores da Bienal de 2008 em São Paulo, que, no entanto, se limitaram a pintar as paredes brancas do prédio, o que não deixa de ser considerado crime, infelizmente, mas sem destruir nenhuma obra de arte.

Os réus foram persuadidos para o mal feio, por diversas lideranças, bem como pelo próprio presidente do país, que deu, ao longo de 4 anos, demonstrações visíveis de que a sua biografia seria a garantia de impunidade para os seus seguidores. A sua visível insanidade mental para governar uma nação, é outro ponto atenuante que merece atenção por parte dos ministros do STF, haja vista, que a situação ter chegado a esse estado limite, denota aqui omissão da própria instituição durante o governo de Bolsonaro, que deveria ter sido interrompido, dmonstrando ao país sua ilegalidade ética e, talvez até, espiritual. Sem entrar no mérito do Artigo 43, é sabido que a mais alta casta da justiça detem a prerrogativa de julgar o presidente, no tocante aos crimes comuns, tendo ela furtado-se a fazê-lo, já que Bolsonaro cometeu vários, que não caberia aqui enumerar -, fora a questão física e psiquiátrica, sendo etapa de qualquer concurso público, inclusive, o de presidente, pois 4 anos podem valer por 40 para o bem ou para o mal.

Em resposta à perpetuação de Bolsonaro por mais uma gestão, o STF optou por contrapor a Vazajato à Lavajato, para permitir um julgamento mais amigável no Tribunal Federal em Brasília, colocando Lula no páreo novamente, como quem faz substituição no futsal. Mais por ciúme do lavajatismo curitibano, e por medo do militarismo bolsonarista, que prometia fechar o Supremo e guilhotinar seus líderes, conduziram, com lealdade de afilhado, a absolvição jurídica de um populista menos autoritário, no caso, Inácio Lula  cujas injustiças sofridas por ele, já poderiam ter ser sido revistas pelo STF muitos antes de ter completado um ano sabático em Curitiba. O que mostra que o judiciário só se movem quando provocados em seus interesses particulares. Os direitos políticos de Lula foram devolvidos com a missão de que ele pudesse começar a faxina moral no país, mesmo, sabendo, que essa relativização radical das sentenças do petista, poderiam causar uma insegurança jurídica, como já estamos vendo com o dilema de Toffóli após ter mexido no castelo de cartas dos acordos de leniência da Oddebrecht.

Outro sinal disso, já aparece no próprio julgamento politizado pelo Supremo, em que o justiçamento dos bolsonaristas com penas similares à conferida aos torturadores da ditadura na Argentina. É provável que as penas dos mentores e financiadores dos atos golpistas possam ultrapassar os 17 anos dos 3 primeiros sentenciados e se aproximar dos 25 anos de condenação que a Corte Interamericana  conferiu ao ex-presidente Fujimori (Peru), acusado de crimes contra a humanidade, o que demonstra o uso desproporcional desse julgamento pelo STF para enviar um discurso à nação, se não de ódio, mas de vingança por parte do Supremo, que se cansou de ser o saco de pancadas da população, apesar dos altos salários, penduricalhos e 90 dias de recesso.

Tão acossados quanto os acusados, porque também se é preso quem julga, os ministros, provavelmente, pagarão o preço da implacabilidade politicamente motivada, com o desgaste da instituição que, apesar de acumular poderes descomunais e paranoicos, ao ponto de ter prerrogativa de julgar, até mesmo os seus próprios membros, sem um órgão corregedor para ter uma segunda opinião clínica, o STF é, hoje, a pior versão de si mesmo. Há má-fé ou autoengano da instituição, ou ambos, no tratamento ferrenho para esses réus confessos das redes sociais, mas também bodes expiatórios, que estão sendo punidos em excesso, por uma leitura literal de letra morta de diversos dispositivos constitucionais, que apesar de escrita em 1988, só passaram a ser aplicados em 2024.

Até poderíamos comemorar o avanço constitucional se ele não estivesse sendo aplicado de forma seletiva social e geracionalmente. Sabemos que Xandão não irá extender sua postura impessoal  para com os ricos generais da tortura e com os oficiais pró-tortura no Brasil, que nas Escolas e Clubes Militares, que seguem disseminando suas versões criativas sobre o golpe de 64, cujos crimes de terrorismo de Estado, seguem impunes. Enquanto eles continuarem como um caso infinito em aberto, precedentes perigosos para novos nostalgismos seguiram sendo legitimados no Brasil, mesmo que o Supremo assuma a cadeira de história do Telecurso 2000. 

Para tornar tudo ainda mais picaresco, os advogados picaretas dos infelizes hereges do 8 do 1, não se ativeram a defesa técnica que desconstruísse a tipificação de cada crime, para cada acusado, ou comprovasse as ambiguidades na aplicação da lei dos crimes antidemocráticos, que deveria valer para todos, não somente para sujeitos sem padrinho político ou honraria militar. Sem recursos, se quer para um bom advogado, os réus de janeiro, estão refém de profissionais bolsonaristas, ou não, que estão fazendo da audiência televisionada, a oportunidade de se lançarem candidatos à blogueiros da internet, na esperança de que tumultuar o processo com acusações contra o Supremo, poderá ser a brecha para ele ser anulado ou revisto com mais parcimônia por outros órgãos. Ademais, é preciso mencionar que, não ficará restrito aos 1390 acusados, essa caça aos bruxos, que com as suas vassouras quebraram o Planalto, ou estão sendo acusados de o ter feito, porque mesmo quem não estava com a vassoura na mão, certamente, irá pagar pelas más companhias e maus pensamentos (Código Penal Cristão).

É forçoso supor que todos ali tinham consciência do delito ou de que se tratava de tentativa de golpe, ou mesmo que essa aglomeração iria acabar em depredação de patrimônio público. O Supremo tem prerrogativa jurisprudencial magna para pautar as tendências para os tribunais inferiores, que, por sua vez, costumam julgar casos de ocupações de terras, prédios e equipamentos públicos e privados por movimentos sociais, usualmente, sendo condescendentes com as causas desses grupos, por causa da pressão política e midiática, que esses grupos de pessoas de deserdados da pátria. É esperado, doravante, que a celeridade nas reintegrações de posse e ordens de prisões por invasão de propriedade aumentem, até mesmo porque, muitos magistrados naturais são bolsonaristas, lavajatistas ou antipetistas e só estavam precisando de um sinal verde do STF para realizar também seu bombardeio russo hipersônico com mísseis kinzhais, no caso, na sua maioria, às manifestantes militantes ou associados a partidos de esquerda, os eternos “ucranianos” no Brasil, sem direito a território rural ou urbano.

Independentemente de ideologia, segue sendo sempre os pobres, os pretos e os periféricos, por vezes, em situação de extrema vulnerabilidade social, que serão presos de forma ainda mais gratuita e leviana. No limite, a seguir essa tendência de devassa generalizada, qualquer indivíduo que empunhe um cartaz escrito “Fora, o presidente (do momento)”, como sempre se têm pululado nas manifestações durante várias gestões, o mesmo poderá correr risco de ser interpretado como contestador da democracia, da eleição, do estado democrático de direito, subliminarmente, uma tentativa de golpe. É claro, que os conspiradores reais da nação devem ser punidos, mas não aqueles que, simplesmente, sejam antipetistas e antilulistas, porque é um direito constitucional, fora e dentro, do congresso constituir a oposição. Em 8 de janeiro, a linha entre a manifestação e o golpe parecia ser muito tênue, com pessoas quebrando móveis tombados sem saber o motivo real das suas ações e outras apenas assistindo de camarote, mas com total consciência do que ali estava ocorrendo.

LULOBOLSONARISMO: inércia do autoritarismo bolsnarista no terceiro mandato de Lula2

Assis Brasil professor de Políticas Públicas na UFSJ e doutor em Ciências Jurídicas e Econômicas na UFRJ

Como não tolerar a intolerância sem se tornar intolerante? Essa deve ser a pergunta de muitos, que, como eu, querem punir os culpados de atos terroristas, mas sem se tornar uma pessoa terrível, porque, de tal forma, o terrorismo terá prosperado no psiquismo do sujeito. A mudança do editorial do STF sobre a prisão de Lula vem junto da condenação expiatória linha dura com os vândalos da república, que de tão nacionalista, destruíram as relíquias da pátria, numa postura que faz os outroras ditos progressistas do STF e do petismo passassem a assumir ideias vencidas de doutrina de segurança nacional típicas de militaristas, já que esses, ao realizar o 8 do 1 pretenderam realizar, a sua maneira uma ocupação de equipamentos públicos, como a esquerda sempre utilizou ao longo da história, no âmbito dos movimentos sociais. Com a diferença de que a minoria social da direita é maioria da classe média que discrimina as maiorias minorizadas de direitos. 

A acusação em série de pessoas sem foro privilegiado por crime multitudinário vai implicar em generalização simplificadora e desindividualizada, passível de revisões quando o poder mudar de mãos de novo, da mesma forma que a Lavajato tem sido relativizada, por atropelar protocolos e direitos, igualmente com aval do supremo, mesmo que à contragosto. O que demonstra como as condições sociais e políticas atuam para afetar os critérios e graus de cientificidade técnica do judiciário, justamente, por não colocar em prática a vigilância epistemológica que a sociologia clínica de Bourdieu defende. Esse fenômeno atual da guinada pro-PT, iniciada com a libertação de Lula por Dias Toffóli e completada com a chegada de Zanin para a vaga de Ricardo Lewandovski, demonstra que as vertentes de jurisprudência têm sido modificadas, conforme a balança política pende para o lado bolsonarista mais fascista do que corrupto e lulista, mais corrupto do que fascista. No entanto, a consolidação da criminalização correta dos crimes contra a democracia poderá ter como efeito colateral, a aplicação ideológica do lulismo numa perspectiva de campo mais aberto para a consolidação da sua latência fascita, que, a narrativa de mal menor, o credencia. O que poderá demonstrar que não era tão menor assim.

A pregnância do bolsonarismo antidemocrático exigiu, acidentalmente, que fossemos bolsonaristas com os bolsonaristas, mas insistir nessa toada poderá fazer perder, nesse movimento punitivo a nossa crença na capacidade da pedagogia multiculturalista do amor. Ao apelar pela judicialização excessiva dos atos de 8 de 1, o Supremo utiliza das vidas dos sentenciados, tal qual fizera o Bolsonarismo, como meros joguetes de um tabuleiro de War ideológico. Ludibriados pelo fanatismo, cidadãos comuns insuflaram-se contra as instituições democráticas de direito, como jovens que fazem roletzinhosnem shopping ou ocupações em escolas. Se sabiam que cometeram crimes, não sabiam o nome, se sabiam o nome, não sabia se alguém já haviam sido punidos por essa legislação arcaísta. A normalidade legal nunca segue uma jurisprudência capaz de criar estabilidade jurídica, o que fragiliza a fé nos atos de "dou fé", carimbados nas leis. 

A ausência de um campo fecunda criador de consenso político antibolsonarista e antilulista, de forma síncrona, continua, a meu ver, sendo, a lacuna que mais dificulta a gestão das exceções estatais e os seus excessos disciplinares. Infelizmente, a postura multissituada de equilíbrio exige uma solidão absurda, sem a mística pseudoprotetora totêmica grupal, haja vista que os lulistas e bolsonaristas mais radicais pagam o preço por entregarem as suas vidas para os seus líderes, que, no fundo, se não se parecem, atuam em defesa da polarização política, com a precarização do debate público no Brasil. Belicosos, Lula e Bolso são. Se este contribuiu para catalisar a guerra contra à Ucrânia, em visita oficial ao país dias antes do início desta, aquele não tem contribuído para o seu fim, tentando relativizar a condenação do presidente russo no tribunal internacional, apesar da questão do genocídio de Gaza, Lula estar do lado da paz, ao contrário de Bolsonaro que apoia incondicionalmente Israel. 

Ao invés de PT saudações para Putin, Lula ulula com saudações do PT para esse fascista, tendo afirmado que não seria preso no Brasil em 2023, se viesse para reunião da Cúpula do G20 -, tendo retroagido depois, o que não o impediu de marcar visita para outubro de 2024 a Rússia.

Os generais da Ditadura Militar, nas entrelinhas, defendem hoje que tiveram o seu papel histórico de defesa da soberania, sendo um mero efeito colateral, o exílio, a censura e a tortura, da finalidade maior de combater o comunismo. O comunistas, por sua vez, são percebidos hoje como os guardiões da democracia, lembrados como heróis da resistência na guerrilha armada no combate ao fascismo, quando, na verdade, combateram os militares para atender a suas pretensões utópicas muito diversas, mas que, via de regra, pregavam a violência terrorista em prol da Ditadura do Proletariado. 

A libertação de Lula é um remake dessa guerra discursiva em que direita e esquerda retroalimentam-se mutuamente de narrativas anacrónicas conflitantes entre si, de forma radical contrastiva, para se manterem no poder. E se os dois lados da moeda, por suas atuações pregressas e atuais, fossem declarados culpados e inocentes, ao mesmo tempo, pelo Supremo, porém tornando-se inelegíveis por 4 anos? Certamente, reinaria a paz, mas não deixaria de ser um golpe. Esse golpe ideal teria evitado, no entanto, a atual carneficina moral, tão traumática quanto o mensalão e o petrolão, que está sendo o julgamento do 8 de 1-, para quem achava que o 7 à 1 da Copa no Brasil, que nos tornou mais propensos às paixões tristes, não poderia ser pior. Não somos obrigados a nos orgulhar de fatos históricos que comprovam que o Estado "L" ou " L (deitado)" falharam como formadores de mentes para a vida social justa e honesta, sem ensinar direito penal e constitucional nas escolas e famílias.

Os códigos jurídicos é que deveriam ser as bíblias do país, porque nos ensina que a liberdade é um direito dado, mas que deve ser conquistado pela vivência e pelo respeito da alteridade, o que implica, para isso, no cumprimento das regras de boa convivência e ética entre os iguais diferentes (isonomia) Para além de falhas operacionais do Ministério da Justiça e Segurança, cujo ministro foi condecorado com cargo no Supremo, o 8 de janeiro não foi uma responsabilidade dos bolsonaristas contra o Brasil, este tendo que jogar com a camisa reserva, azul, porque a outra foi usurpada por eles, foi do próprio PT e do Supremo, que não tiveram culhões, com ou sem Alexandre, o The Moraes, de realizar a revisão da Anistia para processar os torturadores militares. 

Os maiores criminosos ou os seus parentes continuam ganhando aposentadorias militares pomposas, sendo referidos como heróis da revolução de 64. Os peixes pequenos à serviço da intervenção militar teleguiada por um falso Messias lá do EUA, influenciados também pela omissão governamental, no tocante ao direito à memória, verdade, reparação e indenização pelos crimes cometidos pelo Estado, mesmo que tenham que ser punidos, mas de maneira justa, não deveriam pagar pelos crimes de outrens, ou melhor, serem punidos, de forma exemplar, para intimidar os que não estão sendo, ou deveriam ser ou deverão. Cada sentença é individual com singularidades e implicações ímpares, sendo o conceito de alma ou sujeito coletivo muito subjetivo para propiciar amplo direito de defesa. Deve haver uma pessoa por trás do dolo e não uma multidão infinitessimal que o hipnotiza a cometer o delito. Mas, o indivíduo, se em perfeita faculdades mentais e condições sociais, que se permite ser inflamado pelo discurso de ódio. 

Mesmo que se evoque noções ainda válidas para explicar o heroísmo irracional e a fidelidade religiosa, motivada pelo grupo e os seus líderes em ambientes públicos e mesmo virtuais, de Le Bon e Tarde, como "efeito de rebanho" das multidões e "princípio de imitação" das massas, para efeitos legais, é preciso pautar um julgamento e dosagem punitiva, sempre na individualidade dos atos. Por isso, o STM, Supremo Tribunal de Moraes seguirá sendo uma forma de contragolpe, que é uma espécie de golpe do contra, mas que se tornou consensual na salvaguarda autoritária do frágil telhado de vidro institucional que protege a democracia no Brasil. O que poucos não conseguem ver é que o ativismo político midiático e opinativo do Supremo, o que não ocorre nos EUA, é uma forma de anarquismo disfuncional, conduzido por um ministro carcereiro, que antes mesmo de colher as provas, já estava com 1390 pedras na mão.

Utilizar de uma versão simbólica do método de expiação pública e violência estatal de cabeças cortadas e fuzilamentos exagerados, como o exército fizeram com Lampião e a polícia, com Lázaro Barbosa, é a prova de que o aparato jurídico atua também à revelia do Estado democrático de direitos, pois que usa uma pedagogia punitiva desproporcional com inocentes ou não culpados, para criar uma ilusão subliminar de segurança pública e política. No Brasil, continua valendo tudo, até mesmo o vale-tudo no judiciário. Triste constatar que a esquerda foi forçada, muito mais do que na época da ditadura, quando havia pretensões comunistas autênticas, a se tornar militaresca. 

O endosso autoridades provenientes do Estado paralelo, que se tornara a República de Curitiba, tem relação direta com o castelo de autos da Lavajato contra o PT, que resultou na prisão de Lula na capital paranaense. Nessa espécie de "Ditadura da Democracia" no Brasil, em que os valores democráticos são defendidos de forma autoritária, o que é constitucional, mas também abusiva, o que não é, revela a herança da ditadura na recente redemocracia brasileira. Ao aplaudir o uso de práticas excessivamente autoritaristas, como uma punição exemplar contra a maioria de figurantes e coadjuvantes do

08 de janeiro, que se tornaram,em sua maioria, bodes expiatórios dos generais de 64 e o seu fiel discípulo, Capitão Jair Messias. Utilizando o abuso de poder contra os antidemocrátas, com prisões indiscriminadas, sem permitir ampla defesa com argumentação oral, a  pseudoesquerda no STF, reproduz-se o mosquito da ditadura, ao invés, contê-lo no seu nascedouro. 

Será o trauma coletivo tão grande que os ministros temem que os militares irrompam novamente no poder se os torturadores forem presos? Sobre a literalidade das penas, cabe uma reflexão de que os financiadores confessadamente estrategistas do suposto golpe, é que deveriam ser os primeiros a ser punidos exemplarmente, utilizando suas penas como referência para os participantes de menor poder lesivo à pátria. Mas, novamente, o Supremo acovarda-se em blefar para sociedade, condenando coringas (bufões bobos ds corte), ao invés dos reis e rainhas do Golpe. Esse precedente é a causa recente do amadorismo democrático e do  antidemocracismo no Brasil.

O 8 de janeiro está mais para efeito, que deve ser sanado, mas, mantidas as devidas proporções hierárquicas nas condenações, no tocante, ao grau de consciência e atuação política dos planejamentos estratégicos, táticos ou operacionais do ato em si. Compreendendo que o Estado,da Era Lula e Dilma, inclusive, foi cúmplice dessa crise política polarizadora, por não terem levado até as últimas consequências, o projeto pedagógico e jurídico das políticas de memória, que se pautam pelo direito à verdade, à memória, à reparação, mas também à punição, podemos afrimar que: a educação preventiva contra o golpismo antidemocrático por meio do julgamento dos torturadores da ditadura é a única chance de autenticarmos a nossa história política, baseado em valores da justiça de restauração, que devem ser aplicados sem paranoia de retaliações de generais de pijama. As forças armadas necessitam também "passar a limpo e virar a página", para poderem modernizar as instituições de defesa e soberania militar. 

O paradoxo do Estado Democrático de Direito é que é difícil aplicá-lo com temperança contra aqueles que defendem o fim desse Estado. Mas, é justamente isso que os radicais de direita querem provar: que o autoritarismo, de esquerda ou direita, na verdade, é o único regime político universal e atemporal, e que  Stalin foi tão canalha quanto Hitler. O resultado desse emaranhado familiar, é a tendência de vitimização da direita golpista, que, com isso, tem conseguido consolidar uma imagem de revolucionária e heroica, inspirando-se para isso, em práticas e metodologias de guerrilha de esquerda utilizadas no período militar e de ocupação de alguns movimentos sociais contemporâneos mais radicais. Por outro lado, nomes policialescos, inclusive, associado às forças de segurança na esquerda em algumas cidades, tem se tornado ou podem se tornar mais hegemônicos do que lideranças históricas, mostrando como o militarismo democrático do lulobolsonarismo e o "protestantismo" fascista do bolsopetismo são quase duas faces da mesma moeda política surreal de um Brasil populista e autoritário, mesmo que com uma roupagem ora mais populista, ou mais autoritária. 

Se "Lula, filho do Brasil", cujo subtítulo subtextual deve ser o "pai dos pobres", feito pela família Barreto com dinheiro público, durante sua gestão, Bolsonaro é o nosso padastro pilantrão. Não importa, para fins práticos, qual membro tem mais culpa no cartório, porque a família brasileira, doravante, terá que conviver com esses dois até que a morte os una, bem como, por muitos anos ainda, digerir e ruminar o legado nefasto de ambos para a democracia e renovação política no Brasil.

CARCEREIRO DO SUPREMO: sadomasoquismo totalitarista na construção da persona de Alexadre de Moraes

Assis Brasil professor de Políticas Públicas na UFSJ e doutor em Ciências Jurídicas e Econômicas na UFRJ

De perseguido pela esquerda, à antibolsonarista roxo, apesar de ser expoente do fenômeno social de neoconservadorismo que culminou com w eleição de Bolsonaro, sendo a versão judiciária uspiana desse, The Moraes é imagem espetacularizante do fetichismo sadomasoquista de um carcereiro de toga. Como maquininha de cortar cabelo, tem relativizado em série os direitos de ampla defesa dos seus investigados, sejam eles golpistas, financiadores, mentores, manifestantes e/ou vândalos, esses últimos, que teriam atentado contra o patrimônio cultural artístico e arquitetônico brasileiro dos crimes  multitudinários nos chamados atos golpistas de 8 de janeiro.

A República do The Moraes parece estar fazendo escola, pois, às vésperas da audiência penal do funcionário da SABESP, Aécio Lúcio Costa Pereira, a primeira que julga os atos dos "golpistas" sem foro privilegiado pelo ministro, o que não costuma ser prerrogativa do STF, houve a abertura de procedimento de reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça para apurar a possível conduta incitatória do 8/1, por parte do desembargador aposentado, atualmente, advogado de defesa de Áecio, Sebastião Coelho da Silva, que fez do anúncio da sua aposentadoria durante sessão do Tribunal Regional Eleitoral do DF, um ato de protesto contra The Moraes: "O seu discurso é um discurso que inflama, é um discurso que não agrega". Em novembro de 2021, ele teria propalado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, que: “a solução será prender Alexandre de Moraes”, ressalvando que não deveria ocorrer o fechamento do STF, mas, sim, “retirar aqueles que não estão honrando o compromisso que assumiram”.

Segundo Sennet, Foucault de tanto estudar a história das instituições de poder sobre a liberdade dos indivíduos, como prisões e manicômios, acabou por revelar o seu fetiche masoquista com o autoritarismo estatal. Repetindo os passos do mestre, caindo no mesmo “abismo epistemológico do ser", Alexandre, o The Moraes não quer se transformar numa pessoa de poder (saber), mas, sim, tornar-se o poder em pessoa, mas, no seu caso, também por meio de uma personalização protagonista dos cargos públicos que ocupou e ocupa. Para isso, tem-se utilizado uma máscara de miliciano da segurança estatal, que se utiliza da narrativa de garantia da lei para criar decisões de exceção a ela própria. 

Quando foi escolhido para ministro por Temer em 2017, a Comissão Executiva Nacional do PT, foi taxativa em nota ao se posicionar contra a indicação: "um profundo desrespeito à consciência jurídica do país". Os seus detratores alegaram que a sua nomeação seria uma estratégia de salvo-conduto para membros investigados do governo Temer. Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a nota dos alunos para o ex-professor, tido como carrasco, também foi zero. A sua postura monocrática, de farol ao contrário, em cargos acadêmicos nessa instituição escolar, não inspirou boas memórias para criar coesão no ambiente universitário, em torno da possibilidade de o mesmo içar velas no mais alto mastro do judiciário brasileiro. Dias antes da sua sabatina, inclusive, um abaixo-assinado dos estudantes chegou a ser organizado, sob o argumento de que houve violência abusiva da polícia paulista, quando ele fora o secretário de Segurança de São Paulo era o The Moraes, e inoperância administrativa da segurança pública no Brasil, quando ele foi o ministro da justiça.

Se todas as afirmativas anteriores são verdadeiras, como Alexandre, o The Moraes, conseguiu se tornar bem quisto pelo lulo-petismo, ao ponto de ser chamado de ditador por Bolsonaro, que, apesar de tentar ser um, não foi tão bem-sucedido nisso, e ser perseguido e agredido, juntamente, com seu filho, na Itália (julho de 2023), por loucos bolsonaristas caninos?

O supremo Alexandre não foi suprimido até agora, apesar das tentativas de Bolsonaro de cassar o seu mandato por queixa-crime de abuso de autoridade, porque tem utilizado de forma maestral da estética da espetacularização sensacionalista da violência, no melhor estilo abutre da imprensa marrom, para se autopromover como bastião da justiça e da legalidade. Por meio de captura da carência e medo social criado, simultaneamente, pela violência urbana, pela corrupção política e crise econômica, o neoconservadorismo,  que ele representa, tanto quanto Bolsonaro, prosperou no Brasil e abriu uma caixa de pandora da história do autoritarismo humano, com tipos lendários bisonhos que já pareciam ter sido extintos do planeta. Entre essas, a figura do carcereiro que joga os prisioneiros de guerra (cultural e política) para os leões.

Adepto da precaução policialesca de mandar prender (atirar) antes de analisar as provas (ver quem é o alvo), como fizera após o golpe de 8 de janeiro, por meio de prisões em série de supostos terroristas, em Brasília, The Moraes atua sempre no limite da legalidade e do bom senso, como um estadista soberano, porém decaído pela luxúria de um império  nababesco de fatos e fotos. Ele e os seus cúmplices condiscípulos insuprimíveis, que já na andropausa, vislumbram nele uma espécie de viagra do STF em tempos de ataques cibernéticos, mas também de perseguições físicas aos membros da corte, são responsáveis por criar um cenário em que o poder moderador deixa de ser apreciado com moderação. Quem se lembra dos conselheiros reais da novela "Que Rei Sou Eu?", talvez, entenda como cargos de consultoria discreta podem se tornar oportunidades para grandes despotismos gritantes num reino em que o rei vive nú, diante de dilemas metafísicos shakespearianos. Por trás da suposta erudição desse jogador viciado em Alex Kid in Supremable World, o que prevalece é sua aura sombria dos tempos arcaicos do Império Romano.

Truculento, microfisicamente, nas suas falas e atitudes grandiloquentes, em todos os cargos públicos em que passou até agora, Alexandre Nero de Moraes testa os seus poderes incendiários, como um fisiculturista solitário aumenta a cada dia a carga de peso a ser levantado. Fazendo cara de mau em cada movimento maquiavélico de fortalecimento do seu músculo egóico, ele quer ser lembrado como franzino bom-moço, sem abrir mão de ser mais temido do que amado, pela virulência do seu corpo de lutador de greco-romana. Por um modelo narcísico de vigilância panóptica, observa nos espelhos por todos os lados as projeções de si mesmo. Mas assusta-se quando percebe que ao invés de imagens cristalinas de um fenótipo torneado e imberbe, o que estão refletidos nos espelhos são as sombras da (des)humanidade, que também são as suas.

O helenismo desse nosso Alexandre II, na verdade, tem pouco de edificante como o do I, porque quer implantar a monocracia da Suprema República Brasileira, em que os ministros do supremo assumem um protagonismo judiciário ilegítimo, vez que não foram eleitos de forma direta pelo povo. A crítica ao lavajatismo, parcialmente, cabível, foi fundamentada não só por razões jurídicas, mas também, pela vontade de que só o Supremo tenha o monopólio da prática do ativismo e personalismo judiciário, sob risco de causar uma crise hierárquica neste poder. Alexandre, intitulado de Moraes por sua ascendência familiar, está longe de ser símbolo de Moral e Ética (está mais para Moral e Cívica). Ao criar uma personalidade de durão implacável e irredutível, o Monstro Leviatã do supremo quer com os seus tentáculos alimentar um sistema de pré-julgamentos e encarceramentos antecipatórios, que ao invés de julgar atos com provas, prefere intimidar um conjunto de cidadãos de maneira indistinta.

Troglodita Xandão, que já defendeu o fim do sigilo comunicaional entre advogado e o preso (contrariando o Artigo 8° do parágrafo 2 da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos) que ser, agora, o Robispierre da esquerda para apagar essa mácula da sua biografia, bem o fato de ter sido o escolhido para ministro, pelo protogolpista Temer. A sua caça as bruxas protege os verdadeiros genocídas, não mexendo com as altas patentes que cometeram crimes de Estado na ditadura, funcionando como cortina de fumaça para camuflar decisões contrárias do STF contra a Lei da Anistia, que permitia punir os generais da ditadura, o que teria um caráter muito mais pedagógico, do que prender com excesso de literalidade de interpretação constitucional, fantoches criminosos, porém fantoches. Ademais, hinos de tropas de policiais e militares nos seus execercícios físicos e táticos seguirão cantando temas  inconstitucionalmente incorretos nas ruas do país, bem como, a historiografia militar de 1964 nas academias de formação, que segue chamando o golpe de "revolução".

Como quem joga bomba-atômica na mangueira do quintal para pegar um punhado de mangas, o Alexandre grande tem tentado se transmutar em grande Alexandre. Mesmo que o negacionismo antidemocrático das fake-news peça combatividade que ele, de fato, tem, se a mesma não for assertiva e proporcional a cada demanda, corre-se o risco de reproduzir a violência ao combatê-la. É por isso, que a figura alexandrina do de Moraes é hoje sinônimo público de abuso de poder e vaidade por aparecer. Um carrasco depilado que se automultila, abdicando-se da sua capilaridade biológica para nos torturar com a sua virilidade institucional e retórica, numa perversão de laço, em que um sujeito  pseudogarantista acredita estar em simbiose com o cargo que ocupa, na prática, só fiscalizado por seu hiperego. Mas como a sede de poder é infinda, é certo que quando só restar ele livre no Brasil, a prisão do seu corpo será decretada por ele mesmo. Justiça seja feita: só a do corpo, porque a sua alma, ele já prendeu faz tempo.

Talvez, nesse momento dantesco, os cartazes conservadores de 2013 ou 2023, que pediam o regresso dos militares, voltem a aparecer nas ruas, replicando-se por partenogênese, porque na padaria em frente do ato desses golpistas do amanhã, um torturador de ontem toma seu cafezinho com pão de queijo impunemente. O que se constata é que Alexandre prefere ser conivente com o esquecimento da memórias dos desaparecidos políticos, focando seu vigor em ser implacável dentro do Brasil em relação a regulamentação e controle do conteúdo de ódio das mídias sociais. 

A investigação sobre executivos da plataforma de mensagens sociais Telegram e da Alphabet, do Google, que estavam encarregados de uma campanha de mídia-advocacy para criticar uma proposta de lei sobre regulamentação da internet no Brasil e decisão de investigar Musk, dono do X, por ter supostamente ter lançado uma campanha de desinformação contra o STF, demonstra, que ele se identifica com o instituto da censura prévia do período militar, e prefere investigar seus críticos, em um caso típico de abuso de poder e litigância de má fe, do que rever a lei que permite torturadores e violadores dos direitos humanos seguirem sendo os bastiões da luta antidemocrática e golpista no Brasil sem lei. Um país onde o poder judiciário aproveitou-se dos escândalos de corrupção para interferir nos demais poderes e criminalizar a política, tornando-se não mais uma instituição de julgamento das leis criadas pelo legislativa e cumpridas ou não pelo Estado e sociedade, mas, sim, cagadora de regras.

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