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INVENTANDO ESQUINAS EM BRASÍLIA: trilogia musical do goiano Fred Le Blue inspiradas no cancioneiro do Clube da Esquina para a "cidade sem esquinas"

Fotos: Artetetura e Humanismo


Justamente, por não ter esquinas e muitos momentos e locais de sociabilidade urbana nos idos de 2005 no Plano Piloto, o goiano migrante Fred Le Blue pegou emprestado as esquinas musicais sociáveis de BH para deixar como legado imaginário para Brasília. Havia muitos mineiros e amantes do Clube da Esquina morando na cidade na época, alguns deles, artistas dessa vertente musical. "CLUBE DO HORIZONTE: Clube da Esquina 2.0 vai à cidade sem esquinas", podemos dizer que é um projeto cênico-musical de arte integrada no formato de livro musicado ou performance cênico-musical a partir de uma apropriação recreativa do movimento cultural mineiro Clube da Esquina, a partir da paisagem cultural do Cerrado. Seu objetivo principal é aprimorar uma tecnologia de paz urbana a partir de uma epistemologia local de horizontalidade intersocial, étnica-racial, religiosa, regional, nacional, corporal, etária e sexual. Se propõe, destarte, a conceber uma coordenada estética e cultural crítica em relação ao enfraquecimento da esfera pública e das relações sociais presenciais na atual sociedade pós-moderna. Outro ponto nodal do mesmo é uma intervenção "artetetural" no urbanismo modernista “sem esquinas” de Brasília, visando torná-lo mais gregário por meio de uma ferramenta psicogeográfica de orientação espacial.

Vazante comportamental da redemocratização do país, catapultado pelo cenário rockeiro brasileiro dos anos 80 e 90, muito influenciado pelo trabalho dos mineiros Lô Borges e Beto Guedes, o espírito comunitário de Brasília, apesar do aumento do número de feiras livres, gastronômicas e culturais, não é percebido pelo visitante, que costuma ter uma primeira impressão de estranhamento defensivo em relação ao cartesianismo matemático da cidade. Nesse sentido, Clube do Horizonte, funciona como uma estratégia tácita e subliminar de educação urbana, patrimonial e também musical indicando sugestões de uso da cidade por meio do olhar de um "artista etnográfico" e "turista aprendiz". Esta proposta visa, assim, também fortalecer o poder da linguagem literária e musical em acessar o inconsciente e memória individual-coletivo, no caso, o do cancioneiro mineiro na MPB – mas também do rock brasiliense no Rock Nacional –, para criar ferramentas de uso simbólico de eventos (anos 70/80) e lugares (Minas/Goiás/Pantanal/Rio) histórico-mitológicos diferentes. No que tente preencher lacunas psicossociais e sócio-urbanísticas geradas pela temporalidade líquido-moderna e espacialidade modernista. E também autenticar o movimento cultural mineiro no cenário musical brasileiro e internacional, ainda hoje catalisador de inúmeros artistas, mas ainda demandante de maior projeção musibiográfica no contexto geopolítico e regional brasileiro da história da MPB.

A partir do ponto de vista da sua experiência sensorial e cognitiva com Clube em 2005 na cidade sem esquinas, um autor/compositor goiano, no caso eu, desenvolve uma trama de registro geoafetivo em seu processo migratório de adaptação cultural na capital federal, das suas memórias autobiográficas em dialogia artística-ficcional com a vida e obra dos integrantes do Clube da Esquina – muito conhecido por sua mensagem de agregação e redes de amizade cristalizadas através de inúmeras parcerias musicais célebres. O ponto de vista da sua experiência sensorial e cognitiva com esse imaginário musical e biográfico mineiro em 2005 na cidade de Brasília, permite criar estórias e canções entre ficção e realidade, passado e presente, tempo e espaço, memória individual e coletiva para se sentir do mundo e de Minas Gerais, mesmo estando em Brasília. Criado a partir de zonas de produções culturais autônomas e espontâneas, inicialmente, na ortogonal capital planejada de Minas Gerais, Belo Horizonte, o Clube da Esquina, por seu caráter composicional e social sincrético (fussion brasileiro) e rizomático (rede de parcerias), tem em sua órbita milhares de entusiastas famosos e anônimos, artistas e cidadãos comuns, que fazem, em graus variados, da sua mundividência ética, poética e estética musical um portal de compreensão política-combativa e humanista-holística da vida em sociedade e no planeta. Clube do Horizonte é assim uma releitura que amplia as fronteiras inter-regionais e multiculturais do Clube da Esquina, na mesma medida, em que cria esquinas imaginárias, no que permite reinventar ou acessar uma Brasília íntima, próxima do imaginário dos seus urbanistas, construtores e poetas. Fale um pouco do seu projeto autobiográfico “Clube do Horizonte: Clube do Horizonte 2.0 vai a cidade sem esquinas”…

Entrevista com Fred Le Blue

Como surgiu o projeto?  

Fred Le Blue: O roteiro do musical "CLUBE DO HORIZONTE" é um subproduto da minha dissertação etnográfica de mestrado na UNIRIO sobre a memória e identidade urbana do modernismo no Cerrado a partir do estudo do impacto do fenômeno da migração regional goiana no contexto geográfico do Plano Piloto e UnB. É uma espécie de diário de campo ficcionalizado, uma biografia surrealista da autopesquisa realizada em Brasília em 2004 e 2005, porque, de fato, eu comecei a ouvir e compor canções inspiradas no movimento musical mineiro Clube da Esquina em busca de sociabilidade menos funcional, relativamente, ausente no Plano Piloto na época. A eternalização de momentos biográficos e históricos orquestrados pela música funciona como máquina do tempo (e do espaço) permitindo embarcar de volta para os anos 70 em Minas Gerais.

Quando foi escrita esta obra?

O tema da convivialidade urbana acabou se impondo devido às dificuldades pessoais minhas e coletivas de adaptação geométricas e geoafetivas de outros conterrâneos migrantes em Brasília, enquanto estudava violão na Escola de Música de Brasília e antropologia no PPGAS da UnB. A minha pesquisa musical e antropológica seguiu seu curso depois no Rio nos anos vindouros, sobretudo quando consegui fazer o mestrado em 2011 a partir daquela pesquisa gerada em Brasília. Quando iniciei doutorado em Planejamento Urbano no IPPUR no ano de 2014 é que percebi com mais propriedade a relação que havia entre minha adesão musical extemporânea e interterritorial ao Clube da Esquina de BH e algumas questões de urbanidades suscitadas pelo traçado urbanístico do Plano Piloto. Comecei a escrever a peça nesse ímpeto de registrar minha trajetória pessoal, artística e científica na Asa Norte, mas também para ser uma espécie de plano B para um filme sobre o Clube da Esquina que acabou ficando inacabado até hoje por questões autorais. A ideia ideal do CLUBE DO HORIZONTE será justamente filmar a peça, para que a obra seja vista pelo maior número de entusiastas da música e arquitetura brasileira em todas as mídias físicas e digitais. Mas, por enquanto, iremos lançar o livro musicado que terá um apelo turístico muito forte por criar um mapa íntimo dos locais de Brasília referidos nas canções, capaz de sugerir um roteiro percussivo de visitação. O mesmo poderá complementar alguns temas sexuais e raciais que apareceram na antropologia urbana sobre o Plano Piloto, mas que não forma bem explorados por mim mesmo com o lançamento da versão ampliada da tese com livro "TRADIÇÃO DA MODERNIDADE: memórias regionais no urbanismo de Brasília" (Editora Brasílha Teimosa, 2019).

E como CLUBE DO HORIZONTE se relaciona com o movimento de arte e arquitetura que você lidera?

O ARTetetura e HUMANismo surgiu oficialmente em 2019, já em minha vivência de 5 anos em São Paulo. Após ter estudado a questão do estigma social projetado em lugares ocupados por populações pobres, negras e, por vezes, nordestinas, como favelas e conjuntos habitacionais no Rio, comecei a desenvolver estratégicas arte-educativas ou educomunicativas para criar pertencimento local e inclusão simbólica. A proposta era minorar conflitos sociais, raciais e regionais por meio de narrativas sobre territórios. Na verdade, a lógica era a mesma da peça CLUBE que tentava justamente extrair musicalidade do quadrado cartesiano dos prédios, ruas e mapa de Brasília, mostrando uma capital federal oculta, que só foi revelada a mim por meio de uma escuta ativa da música mineira composta por parcerias geniais.

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